Súmula 664 do STJ: Uma Análise Detalhada sobre a Não-Aplicabilidade do Princípio da Consunção em Casos de Embriaguez ao Volante e Direção sem Habilitação

Concurso aparente de normas

No campo do Direito Penal, o princípio da consunção, ou absorção, tem uma importância fundamental para dirimir conflitos entre normas que parecem concorrer entre si. Segundo este princípio, quando uma única ação configura mais de um crime, o delito de menor gravidade é absorvido pelo mais grave. Tal abordagem é vital para evitar a duplicidade de punição pelo mesmo ato (princípio do “ne bis in idem”), garantindo, assim, a proporcionalidade e a razoabilidade na aplicação da justiça penal.

Súmula 664/STJ

Recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com sua especialização em matéria penal, aprovou um enunciado sumular de grande significado. As súmulas do STJ, que são sínteses de interpretações jurisprudenciais estabilizadas, orientam os operadores do direito quanto às linhas de entendimento majoritárias do tribunal. Este novo enunciado, que será veiculado no Diário da Justiça Eletrônico conforme o artigo 123 do Regimento Interno do STJ, é o de número 664, que estabelece: “É inaplicável a consunção entre o delito de embriaguez ao volante e o de condução de veículo automotor sem habilitação”.

Crimes previsto no Código de Trânsito Brasileiro

O crime de embriaguez ao volante, tipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), ocorre quando um indivíduo conduz um veículo com suas capacidades psicomotoras alteradas devido à influência de álcool ou outras substâncias psicoativas. As sanções para esta infração abrangem detenção de seis meses a três anos, multa, e a suspensão ou proibição da obtenção da habilitação para dirigir.

Paralelamente, o crime de condução de veículo automotor sem habilitação, definido no artigo 309 do CTB, implica em dirigir sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação, ou após a cassação deste direito, gerando risco potencial. A penalidade prevista é de detenção de seis meses a um ano, ou multa.

Concurso material versus concurso formal

A Sexta Turma do STJ, no julgamento do AgRg no HC n. 749.440/SC em 23 de agosto de 2022, consolidou o entendimento de que as condenações pelos artigos 306 e 309 do CTB, quando ocorridas em conjunto, devem ser tratadas em concurso material. Isso reflete a visão de que esses crimes são autônomos, com objetivos jurídicos distintos, e um não serve como meio para a execução do outro.

A Súmula 664 do STJ, portanto, implica que, nos casos em que ambas as condutas ocorrem simultaneamente, elas devem ser julgadas em concurso material, como disposto no artigo 69 do Código Penal. Isso significa a aplicação cumulativa das penas para cada crime.

Esta súmula marca um ponto de inflexão interpretativo, enfatizando a autonomia e a individualidade de cada um desses delitos, mesmo quando ocorrem no mesmo contexto fático.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).