Populismo Penal: Implicações e Consequências na Democracia Brasileira

O fenômeno do populismo penal caracteriza-se por uma abordagem discursiva e prática no âmbito das políticas criminais que, frequentemente, distorce medidas eficazes de prevenção ao crime. Fundamentando-se na suposta vontade majoritária e na estigmatização de certos grupos, resulta em uma legislação penal mais agressiva, extensa e discriminatória.

Historicamente, a concepção de que o Direito Penal deve intervir na liberdade individual marcou o século passado, consolidando os fundamentos do que hoje compreendemos como Direito Penal Democrático. No entanto, nas democracias atuais, a ciência jurídica criminal enfrenta desafios oriundos de movimentos populistas que, sob um viés moralista, visam modificar a essência das normas penais.

Alterações na Legislação Penal brasileira: Aspectos Cruciais a Considerar

Na última terça-feira (31), a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei com significativas modificações nas penas de vários crimes patrimoniais, encaminhando-o para o Senado. Analisemos as principais alterações propostas:

Modificações Propostas

– Furto: A pena base para furto poderá aumentar de 1-4 anos para 2-6 anos, com possível acréscimo de 50% se cometido durante a noite. A proposta inclui uma qualificação para furtos que impactem serviços essenciais como telecomunicações e transporte público. Por exemplo, furtos de fiações elétricas seriam enquadrados nesta categoria. Ademais, golpes virtuais poderão ter a pena ampliada para 4-10 anos.

– Roubo: A pena base poderá ser elevada, passando de 4-10 anos para 6-10 anos, com propostas de aumento para situações específicas, como roubo de dispositivos eletrônicos.

– Latrocínio: Casos em que o roubo resulte em lesão grave podem ter a pena aumentada para 16-24 anos, e no latrocínio, a faixa proposta é de 24-30 anos.

– Receptação: A pena para quem beneficia de bens obtidos de maneira criminosa também foi revista, podendo aumentar para 2-6 anos. Propõe-se uma pena maior para a receptação de animais de produção e a criação de uma categoria específica para a receptação de animais domésticos.

– Estelionato: Com a proposta, haverá a introdução de tipificação específica para fraudes bancárias, bem como a identificação de estelionatos praticados por meios digitais, como golpes via Pix e phishing.

Consequências do populismo penal

A sociedade aguarda o desfecho no Senado Federal, e é crucial que a legislação seja construída e revisada com foco na justiça e no bem-estar da população. O populismo penal pode ser visto como um obstáculo para a democracia brasileira, oferecendo respostas simplistas para questões complexas relacionadas à criminalidade e segurança pública.

Dentre as consequências negativas do populismo penal, destacam-se:

1. Intensificação da Violência e Criminalidade: Ao invés de solucionar as raízes da violência, o populismo penal pode exacerbar esses problemas, fomentando um ciclo de marginalização, estigmatização e repressão. Simultaneamente, promove a violência institucional e o desrespeito aos direitos humanos.

2. Erosão da Confiança no Sistema Penal e Democrático: O populismo penal pode comprometer a eficácia e imparcialidade do sistema penal, tornando-o arbitrário

3. Distorsão da Opinião Pública: Fundamentado em desinformação e sensacionalismo, o populismo penal manipula sentimentos de medo e indignação, gerando uma ilusória percepção de segurança. Esta abordagem, frequentemente, alinha-se com interesses de setores econômicos e políticos que lucram com a manutenção da ordem vigente.

Concluindo, é imperativo que a sociedade brasileira esteja vigilante contra a ascensão do populismo penal e suas consequências deletérias, buscando soluções informadas e equilibradas para os desafios na área criminal.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).