REFORMA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: O PAPEL DO JUIZ DAS GARANTIAS DE ACORDO COM O STF

A CONSTITUCIONALIDADE DO JUIZ DE GARANTIAS

Na sessão realizada em 23 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das ADI 6298, 6299, 6300 e 6305, proferiu decisão de grande relevância, validando a implementação do mecanismo do juiz das garantias e estabelecendo um prazo de doze meses, com possibilidade de extensão por mais doze, para que todos os tribunais do país adotem obrigatoriamente esse sistema.

ORIGEM LEGISLATIVA

Inserido no âmbito do Pacote Anticrime, aprovado pelo Congresso Nacional em 2019, o modelo do juiz das garantias busca assegurar maior imparcialidade ao processo penal. Segundo esse sistema, o juiz responsável pelo julgamento da sentença não é o mesmo que participa da fase de inquérito.

O JULGAMENTO NO STF

A adoção do juiz das garantias estava originalmente programada para entrar em vigor em 23 de janeiro de 2020, porém foi temporariamente suspensa por uma liminar emitida pelo ministro Luiz Fux, relator do caso no STF.

A maioria dos ministros do STF considerou constitucional a inclusão do juiz das garantias na legislação brasileira. Além disso, ficou definido que todos os tribunais do país têm um prazo de doze meses, prorrogável por mais doze, para efetivar a implantação dessa medida, a critério do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

QUEM FOI CONTRA E QUEM FOI A FAVOR

A discussão que culminou nessa decisão foi originada por quatro ações protocoladas, respectivamente, pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Membros do Ministério Público (Conamp), além dos partidos Podemos e União Brasil. Essas entidades alegaram dificuldades financeiras e a falta de recursos humanos para implementar o juiz das garantias.

Em contrapartida, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as defensorias públicas do país defenderam vigorosamente o mecanismo. Segundo essas instituições, o juiz das garantias contribui para preservar a imparcialidade do magistrado durante o julgamento.

A INTERPRETAÇÃO CONFERIDA PELO STF

Com a aprovação do STF, o sistema de Justiça brasileiro passa a contar com o juiz das garantias e o juiz da instrução e julgamento. No formato anterior, um único juiz era responsável por analisar pedidos de prisão, decidir sobre buscas e apreensões, e proferir sentenças de condenação ou absolvição.

Conforme a interpretação do STF, o juiz das garantias terá a função de supervisionar a legalidade da investigação criminal. Sua atuação se estende até a apresentação da denúncia pelo Ministério Público, diferentemente do texto original do Pacote Anticrime, que estabelecia seu papel até o recebimento da denúncia.

ALTERAÇÃO LEGISLATIVA SEM INCONSTITUCIONALIDADE?

É válido tecer uma crítica nesse ponto. A separação das fases do processo e a atribuição do exame do inquérito ao juiz da instrução, para que avalie a admissibilidade da ação penal com base nas evidências coletadas na delegacia, pode descaracterizar a essência original do instrumento do sistema acusatório. Embora o STF não tenha declarado a inconstitucionalidade do artigo 3º-B e seguintes do Código de Processo Penal, optou por alterar a lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Isso nos leva a uma pergunta retórica: essa alteração é admissível?

FUNÇÕES DO JUIZ DE GARANTIAS E DO JUIZ DE INSTRUÇÃO

O juiz designado para essa função será responsável por deliberar sobre questões relacionadas à prisão cautelar de investigados, quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico, busca e apreensão, entre outras medidas.

Após a apresentação da denúncia, a decisão sobre o recebimento da ação penal e o início do processo caberá ao juiz da instrução e julgamento. Nessa fase, testemunhas da acusação e defesa serão ouvidas, e ao final do processo, o magistrado proferirá a sentença de absolvição ou condenação do acusado.

No momento da sua intervenção no processo, o novo juiz terá a responsabilidade de revisitar, em até 10 dias, a necessidade das medidas cautelares, como prisões preventivas, que já estejam em vigor.

A IMPLEMENTAÇÃO DO JUIZ DE GARANTIAS ALCANÇA TODOS OS PROCEDIMENTOS PENAIS?

Importante ressaltar que o juiz das garantias não atuará nos casos sob a competência do Tribunal do Júri, em processos envolvendo violência doméstica, e nos litígios dos juizados especiais criminais.

CONCLUSÃO

Com a implementação do juiz das garantias, o sistema de Justiça brasileiro passa a se dividir entre o juiz das garantias e o juiz da instrução e julgamento. A fase de investigação e a fase de julgamento ganham autonomia e supervisão diferenciadas.

Portanto, à medida que a reforma do processo penal se desdobra no país, é fundamental acompanhar de perto sua implementação e os resultados gerados. O juiz das garantias carrega a promessa de aprimorar a imparcialidade e a justiça em nosso sistema legal. A modernização do processo penal brasileiro, embora complexa e sujeita a debates, sinaliza um passo adiante em direção a um sistema mais justo e transparente.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).