Reflexões Jurídicas: Entendimento Recente do STJ sobre Latrocínio e a Pluralidade de Vítimas

Na minha última aula acerca de crimes patrimoniais, pautei uma discussão sobre significativa interpretação emanada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) concernente ao crime de latrocínio envolvendo uma pluralidade de vítimas. Esta análise se torna imperativa, considerando a complexidade e os impactos das decisões judiciais na esfera criminal.

Harmonização de entendimentos

Em setembro de 2023, a Terceira Seção do STJ, entidade incumbida de uniformizar os entendimentos jurisprudenciais das turmas criminais, promoveu uma alteração na interpretação jurisprudencial relativa ao latrocínio, em uma tentativa de alinhamento com a perspectiva predominante no Supremo Tribunal Federal (STF). A nova leitura estabelece que:

“Configura-se crime único de latrocínio quando apenas um patrimônio é atingido, independentemente do número de vítimas.”

O julgado

No caso analisado originalmente, AgRg no AREsp 2.119.185-RS, julgado em 13/9/2023, houve uma condenação por três crimes de latrocínio tentado em concurso formal impróprio, apesar de apenas dois patrimônios terem sido atingidos. Para a Ministra Relatora, embora as instâncias ordinárias e o STJ entendessem que o número de latrocínios se dá pelo número de vítimas e não de patrimônios atingidos, o Supremo Tribunal Federal (STF) adota uma visão contrária, considerando crime único de latrocínio quando apenas um patrimônio é atingido, independentemente do número de vítimas. Assim, considerando que foram atingidos dois patrimônios, reconheceu-se dois delitos de latrocínio tentado em concurso formal próprio, alinhando-se ao entendimento do STF.

A referida mudança na interpretação provoca profundos questionamentos acerca da adequação da legislação penal em relação aos casos concretos e a primazia da justiça enquanto valor a ser perseguido pelo ordenamento jurídico.

Overruling

A anterior compreensão estabelecia que o número de crimes de latrocínio seria determinado pelo número de vítimas e não de patrimônios atingidos. A recente transmutação desse entendimento sinaliza uma convergência em relação às orientações já solidificadas no STF, indicando um possível marco na jurisprudência sobre crimes patrimoniais e evidenciando a evolução interpretativa do direito penal.

Conclusão

Este cenário, portanto, estimula uma reflexão acadêmica e profissional sobre a dimensão da justiça na aplicação da lei penal, bem como sobre os direcionamentos futuros da nossa jurisprudência no tocante à valoração da ofensa patrimonial em contraposição à integridade das vítimas.

Encorajo a comunidade jurídica e acadêmica a imergir nesse debate, promovendo um diálogo construtivo sobre os contornos que delimitam o crime de latrocínio no atual contexto legal brasileiro e os possíveis caminhos para a otimização da legislação e da aplicação jurisdicional, sempre em busca de uma sociedade mais justa e equitativa.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).