Lei nº 14.550/23 – A busca pela efetividade na proteção da mulher vítima de violência doméstica

Alteração da Lei Maria da Penha

Foi publicada, no dia 20 de abril, a Lei nº 14.550/23, que altera a Lei Maria da Penha para dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação da Lei.

Motivos para alteração da Lei nº 11.340/06

Conforme a exposição de motivos do projeto de lei que foi apresentado à sanção do Presidente da República, a Lei Maria da Penha foi criada com o objetivo de proteger mulheres que sofrem violência doméstica, familiar e afetiva, considerando que essas mulheres merecem proteção especial diante da cultura sexista que naturaliza e invisibiliza a violência de gênero. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha entendendo que era necessário analisar se a violência era ou não baseada em questões de gênero para aplicar a Lei Maria da Penha. Isso vinha levando ao indeferimento de medidas protetivas de urgência, deixando as mulheres em situação de violência sem a proteção necessária. A violência baseada no gênero é um problema social que extrapola os casos concretos, e restringir o âmbito de aplicação da lei significa negar às mulheres o direito à proteção diferenciada. Por isso, sugeria-se a inclusão de uma alteração nas disposições finais da Lei para reforçar que não se trata de uma mudança do sentido originário do artigo 5º, mas sim de uma interpretação autêntica que visa afastar interpretações jurisdicionais restritivas. Além disso, a concessão das medidas protetivas de urgência muitas vezes era precedida de imposições descabidas, como exigir correspondência criminal dos atos de violência e prova cabal de crime. Também era comum condicionar a proteção à existência de um processo judicial cível ou criminal principal, o que consistia em uma interpretação equivocada.

O texto atualizado

Com a sanção da alteração legislativa, o art. 19 da Lei Maria da Penha passou a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:

Art. 19. 

§4º As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.

§ 5º As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.

§ 6º As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.

Igualmente, foi acrescido o art. 40-A, com a seguinte redação:

Art. 40-A Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida.

Hipóteses de concessão das medidas protetivas de urgência

As medidas protetivas de urgência, portanto, podem e devem ser concedidas diante da presença de indícios de materialidade e autoria de violência contra a mulher, prescindido-se da prova cabal de sua existência; avaliação que caberá à autoridade policial ou judicial competente para sua concessão.

Natureza autônoma das medidas protetivas de urgência

De outro lado, reconheceu-se a natureza autônoma destas medidas, posto que as interpretações que veem as medidas protetivas como acessórias ao processo impõem ônus injustificado às mulheres para que tenham acesso a um direito conquistado”. 

O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. E só. Elas não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. As MPUs não são penas impostas aos agressores, mas sim garantias em favor das mulheres que se encontram em situação de violência ou de ameaça.

A violência de gênero como fator objetivo

Por fim, a proteção da mulher vítima de violência doméstica prescinde da identificação da causa ou motivação da conduta do agressor. Reconhece-se que, antes de ser um aspecto subjetivo que motiva a ação do agressor, a questão de gênero é um fato objetivo, sempre subjacente na violência doméstica e familiar: irmãs sofrem mais violência do que irmãos; idosas sofrem mais violência do que idosos; mulheres sofrem mais agressões por parte de parceiros e familiares drogados, ou bêbados, do que os homens.

A busca pela efetividade na proteção da mulher vítima de violência doméstica

A sanção da Lei nº 14.550/23 representa um avanço significativo no âmbito da proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, tendo em vista que a rapidez na adoção de medidas protetivas é fundamental para garantir a segurança da vítima. No entanto, é necessário que essas medidas sejam efetivamente implementadas e acompanhadas pelo Ministério Público e Defensoria Pública, de modo a garantir sua eficácia e adequação às necessidades das vítimas, sob pena de enfraquecimento da sua efetividade.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).