Desenvolvendo o Papel das Guardas Municipais no Sistema de Segurança Pública do Brasil

A ADPF 995

No dia 25 de agosto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou um entendimento relevante por meio da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 995, determinando que as guardas municipais são integrantes do Sistema de Segurança Pública. No entanto, alguns questionamentos importantes têm surgido a respeito das atribuições e limites dessa decisão, assim como as possíveis implicações para o exercício das atividades das guardas municipais.

A Interpretação do Superior Tribunal de Justiça

Um ponto relevante que se destaca é se as guardas municipais estão autorizadas a realizar abordagens e buscas pessoais, semelhantes às polícias tradicionais. A resposta a essa indagação requer uma análise cuidadosa das decisões judiciais e dos dispositivos legais. O julgamento do Recurso Especial n. 1.977.119/SP, realizado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estabeleceu que a Constituição Federal de 1988 não confere às guardas municipais atividades ostensivas ou investigativas como as desempenhadas pelas polícias militares e civis. Sua função é primordialmente a proteção do patrimônio municipal, incluindo bens, serviços e instalações.

Os precedentes do STF e do STJ são conflitantes?

É importante destacar que a decisão do STF não entra em conflito com a anterior proferida pelo STJ em agosto de 2022. A recente decisão do STF tem como foco a obtenção de benefícios na carreira das guardas municipais e o acesso a recursos federais, por meio do Sistema Único de Segurança Pública, conforme estabelecido pela Lei 13.675/2018.

A falta de controle externo das Guardas Municipais

Ao contrário das forças policiais tradicionais, como a Polícia Militar e a Polícia Civil, que estão sujeitas a um rigoroso controle correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, as guardas municipais não estão submetidas a esse mesmo nível de escrutínio. A característica peculiar desses agentes públicos é a de possuírem uma atribuição singular de segurança. Como apontado pelo Ministro Schietti, embora não possuam todas as prerrogativas das polícias, as guardas municipais também não se reduzem à condição de “qualquer do povo”. Elas são servidores públicos investidos do poder-dever de proteger o patrimônio municipal.

Poder de polícia das Guardas Municipais

Outro aspecto relevante é o papel do poder de polícia das guardas municipais. Esse conceito do Direito Administrativo se relaciona com a capacidade de impor restrições aos direitos dos cidadãos. Guardas municipais podem exercer esse poder, como exemplificado por um guarda de trânsito que apreende um veículo. No entanto, é importante distinguir entre o poder de polícia e o poder das polícias tradicionais, que envolve o monopólio estatal do uso da força. Esse monopólio é exclusivo das polícias, diferenciando-se das atribuições das guardas municipais.

O próprio texto constitucional rejeitou a criação de polícias municipais, o que torna inviável classificar as guardas municipais como polícias no sentido tradicional. A disposição do § 8º do artigo 144 da Constituição é explícita nesse ponto.

Conclusão

Portanto, mesmo com o reconhecimento das guardas municipais como parte integrante do sistema de segurança pública, a decisão do STJ ainda é determinante para avaliar a legalidade de eventuais ações que ultrapassem os limites de suas atribuições específicas. O equilíbrio entre o fortalecimento das guardas municipais e a manutenção das competências das forças policiais é um aspecto fundamental no contexto da segurança pública brasileira.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).