A Regulamentação de Investigações de Violência Policial e a Atuação do Ministério Público no Brasil: Uma Perspectiva Jurídica

Caso Favela Nova Brasília x Brasil

Em um marco significativo para os direitos humanos no Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) emitiu, em 16 de fevereiro de 2017, uma sentença no caso Favela Nova Brasília vs. Brasil. Esta decisão estabeleceu a responsabilidade internacional do Brasil por violações em múltiplos aspectos judiciais. O caso envolveu a investigação de duas operações da Polícia Civil na Favela Nova Brasília, no Rio de Janeiro, em 1994 e 1995, que resultaram na morte de 26 homens e violência sexual contra três mulheres.

Investigações de violência policial – precedentes

Recentemente, duas decisões judiciais significativas – uma do Supremo Tribunal Federal (STF) e outra da própria Corte IDH – enfatizaram a necessidade de uma regulamentação mais abrangente nas atividades investigativas relacionadas a suspeitas de mortes, torturas, violência sexual e outras graves violações por parte de agentes de segurança pública. O STF, através do acórdão na Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635/RJ (ADPF das Favelas), e a Corte IDH, em sua Resolução de 25 de novembro de 2021, delinearam diretrizes claras para tais investigações.

Conforme estabelecido pela Corte IDH, em alinhamento com o Protocolo de Minnesota, as investigações sobre mortes violentas suspeitas de envolvimento de agentes públicos devem ser conduzidas independentemente, sem a participação das forças estatais implicadas. Essencialmente, a Corte determinou que o Ministério Público deve liderar as investigações desde o início, apoiado por equipes policiais, periciais e administrativas não associadas aos órgãos de segurança pública envolvidos no incidente.

Paralelamente, o STF, na decisão da ADPF 635-MC, reforçou que o Ministério Público possui a prerrogativa de investigar diretamente crimes cometidos durante intervenções de segurança pública, especialmente aqueles que envolvem agentes estatais, independentemente de novas legislações.

CNMP – Regulamentação das investigações de violência policial

Diante dessa necessidade de regulamentação, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) adotou medidas para disciplinar a atuação do Ministério Público em investigações de violência policial e outros crimes graves. Uma proposta de resolução apresentada estabelece que o Ministério Público deve investigar infrações criminais envolvendo agentes de segurança pública em casos de homicídio, crimes sexuais, tortura, desaparecimento forçado, e violações de direitos humanos fundamentais, entre outros. 

Esta proposta também especifica critérios que justificam a instauração de procedimentos investigatórios pelo Ministério Público, incluindo evidências de envolvimento de agentes de segurança e circunstâncias que obstruem ou retardam a investigação. Esses critérios cobrem uma gama de situações, desde vítimas vistas pela última vez sob custódia policial até o uso de aeronaves para disparo de armas de fogo.

Conclusão

Esta regulamentação é um passo importante para assegurar investigações imparciais e eficazes em casos de violência policial e outras graves violações dos direitos humanos. Com essas medidas, espera-se que o Brasil avance na proteção dos direitos fundamentais e na responsabilização de abusos cometidos por agentes estatais.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).