O Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, no dia 26 de junho de 2024, que porte de maconha para uso pessoal não é crime. O parâmetro irá prevalecer até que o Congresso Nacional defina novos critérios.
A decisão do STF acontece em um contexto global de flexibilização das leis sobre a Cannabis. O Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Dependência de Drogas aponta que cinco países tornaram a maconha legal: Uruguai (2013), Canadá (2018), Malta (2021), Luxemburgo (2023) e Alemanha (2024). A Alemanha, por exemplo, permite que cidadãos cultivem a planta e portem até 25g de maconha desde abril, e a partir de julho, “clubes” poderão comercializar a droga legalmente.
Outros países, como Colômbia, Portugal, Bélgica e Argentina, descriminalizaram o uso, sem legalização completa. Desde os anos 1980, ao menos 25 países flexibilizaram suas políticas sobre a Cannabis, com a maioria das mudanças ocorrendo após 2010.
Impactos da Criminalização
Estudos mostram que a criminalização do porte de drogas no Brasil tem um viés social e racial. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a maioria dos sujeitos criminalizados como traficantes são homens (86%), jovens (72% com idade até 30 anos), de baixa escolaridade (67% não concluíram o ciclo de educação básica) e negros (68%). O cruzamento da variável idade e cor/raça indica que 53,9% dos réus processados são jovens de até 30 anos e negros, simultaneamente. A falta de critérios objetivos na legislação faz com que a prova da finalidade de traficância seja essencialmente subjetiva, e a palavra dos policiais é central na instrução processual.
Além disso, a pesquisa do Ipea revela que muitos presos por tráfico de drogas portavam quantidades compatíveis com padrões de uso pessoal. Se o porte de até 25 gramas de maconha fosse considerado de uso pessoal, mais de 42 mil pessoas poderiam não estar presas, economizando R$ 1,3 bilhão por ano para o Estado. Se adotado o limite de 100 gramas de maconha, esse número subiria para 67.583 pessoas, economizando aproximadamente R$ 2,1 bilhões por ano.
Desafios e Critérios
Um dos maiores desafios apontados durante o julgamento foi a falta de critérios claros na legislação para distinguir usuários de traficantes, deixando essa decisão a cargo da polícia, do Ministério Público ou da Justiça. Os ministros ainda precisariam definir qual a quantidade permitida que uma pessoa pode portar para uso próprio sem que isso seja considerado tráfico de drogas.
Na sessão de 26 de junho, o Supremo Tribunal Federal fixou novos critérios para diferenciar usuários de traficantes. A partir de agora, o porte de maconha para uso pessoal será considerado um ilícito administrativo, ou seja, um ato contra a lei, mas não um crime. Os usuários estarão sujeitos a penas socioeducativas, mais brandas. Ficou estabelecida a quantidade de 40g ou seis plantas fêmeas de cannabis sativa como parâmetro para diferenciar usuário de traficante, até que o Congresso Nacional determine novo critério. Portanto, o porte de maconha para uso pessoal (até 40g) não gera antecedente criminal e o usuário não poderá ser punido com pena de serviço comunitário.
Os ministros entenderam que as sanções administrativas serão comparecimento a cursos educativos e advertência sobre os efeitos das drogas. O limite de 40g ou seis plantas é relativo e a autoridade policial (delegado) ainda pode prender uma pessoa em flagrante, mesmo com quantidades inferiores ao limite estabelecido, caso haja elementos indicativos de tráfico. As punições serão aplicadas pela Justiça, mas em um procedimento que não terá natureza penal, sendo os juizados especiais criminais responsáveis inicialmente pelo tema. Se uma pessoa for pega com quantidades superiores, isso não impede que o juiz conclua que não houve crime, havendo prova nos autos da condição de usuário.
Conclusão
A decisão do STF sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é um passo importante na flexibilização das políticas de drogas no Brasil. No entanto, ainda há desafios significativos a serem enfrentados, especialmente na mitigação dos impactos sociais e raciais da criminalização. A evolução desse debate e a implementação de novas políticas podem trazer mudanças significativas para o sistema de justiça e segurança pública do país.