A RECUSA DE UM MILITAR EM CUMPRIR UMA ORDEM ILEGAL: ENTENDENDO A HIERARQUIA E DISCIPLINA NO MEIO MILITAR

Hierarquia e disciplina

No âmbito das Forças Armadas, a hierarquia e a disciplina são fundamentais para a manutenção da ordem e eficiência operacional. A hierarquia define a estrutura de autoridade, estabelecendo uma relação de subordinação entre os postos superiores e inferiores, enquanto a disciplina abrange a aderência estrita às leis, regulamentos e normas que regem o funcionamento das instituições militares.

Estes princípios têm um papel crucial para que as operações militares ocorram com sucesso, garantindo que as ordens sejam executadas de maneira rápida e eficaz. Contudo, é fundamental compreender que a hierarquia e disciplina não devem ser confundidas com autoritarismo ou abuso de poder. Superiores devem exercer sua autoridade de forma justa, respeitando os direitos dos subordinados e mantendo os padrões éticos e morais das Forças Armadas.

O que diz o Código Penal Militar?

O Código Penal Militar reconhece a obediência a ordens hierárquicas como um fator que pode excluir a culpabilidade em crimes cometidos por militares. No entanto, essa regra possui exceções. Caso a ordem do superior hierárquico envolva a prática de atos claramente criminosos, ou ocorra excesso na execução dessas ordens, o subordinado pode ser responsabilizado legalmente.

Art. 38. Não é culpado quem comete o crime:

(…)

b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços.

(…)

§ 2° Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior.

A banalidade do mal

Você já ouviu falar sobre a “Banalidade do Mal”? Este conceito, cunhado pela filósofa Hannah Arendt, surgiu durante o julgamento de Adolf Eichmann, um dos responsáveis pelos horrores nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A “Banalidade do Mal” descreve como pessoas aparentemente comuns podem cometer atos terríveis ao seguir ordens ou cumprir seus deveres sem questionar a moralidade das ações.

Arendt argumentou que indivíduos como Eichmann não eram sádicos monstruosos, mas sim burocratas que, por não refletirem sobre as consequências de suas ações, se tornaram cúmplices de atrocidades. É importante ressaltar que a “Banalidade do Mal” não serve como desculpa para tais atos, mas sim como uma maneira de compreender como o mal pode emergir quando as pessoas não assumem responsabilidade por suas ações e falham em exercer um julgamento moral crítico.

Conclusão

Em situações extremas, como aquelas enfrentadas no meio militar, o entendimento da “Banalidade do Mal” nos lembra da importância de manter a capacidade de questionamento e análise moral, mesmo em contextos onde a hierarquia e a disciplina desempenham um papel essencial. A reflexão crítica e a responsabilidade individual continuam sendo pilares fundamentais para evitar a repetição de eventos históricos dolorosos e para garantir a integridade ética das instituições militares.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).