
No mundo do Direito Penal, algumas decisões judiciais têm o poder de gerar debates acalorados e mudar a forma como entendemos a aplicação da lei. Um desses casos é o AREsp 2.406.856-SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 8 de outubro de 2024. A questão central era: a continuidade delitiva impede a celebração do acordo de não persecução penal (ANPP)?
O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que sim. Para os juízes de primeira instância, a continuidade delitiva seria um indício de que o acusado estava dedicado à atividade criminosa, o que justificaria negar o acordo. No entanto, o STJ reformou essa decisão, afirmando que a continuidade delitiva, por si só, não é um fator impeditivo para o ANPP.
O que diz a lei?
A chave para entender essa decisão está no artigo 28-A, §2º, II, do Código de Processo Penal (CPP), que lista as situações em que o acordo de não persecução penal não pode ser celebrado. A lei menciona crimes habituais, reiterados ou profissionais, mas não faz nenhuma referência à continuidade delitiva.
O STJ foi categórico ao afirmar que incluir a continuidade delitiva como um impedimento ao ANPP seria uma interpretação extensiva indevida, que vai além do que a lei permite. Em outras palavras, o judiciário não pode criar obstáculos que não estão previstos expressamente na legislação.
Continuidade Delitiva x Crime Habitual
Um ponto importante destacado pelo STJ foi a diferença entre continuidade delitiva e crime habitual.
- Continuidade Delitiva: Envolve uma série de infrações semelhantes, conectadas por um objetivo comum. Nesses casos, a lei prevê um tratamento mais brando, com a aplicação de uma única pena.
- Crime Habitual: Reflete uma propensão criminosa contínua e autônoma, que exige uma resposta penal mais severa.
O STJ deixou claro que a continuidade delitiva não pode ser equiparada ao crime habitual. Enquanto o primeiro busca atenuar a punição em razão da conexão entre os crimes, o segundo revela uma periculosidade maior, que justifica um tratamento mais rigoroso.
O Princípio da Legalidade em Foco
A decisão do STJ reforçou o princípio da legalidade, um dos pilares do Direito Penal. Segundo esse princípio, não se pode criar obstáculos ou exigências que não estejam expressamente previstos em lei. Incluir a continuidade delitiva como um impedimento ao ANPP seria, portanto, uma violação a esse princípio.
O tribunal também destacou que o legislador, ao elaborar a lei, optou por restringir os impedimentos ao ANPP a casos de maior gravidade, como crimes habituais, reiterados ou profissionais. A ausência da continuidade delitiva nesse rol não foi por acaso.
Por que essa decisão é importante?
Esse julgamento é um exemplo claro de como o Direito Penal deve equilibrar o poder punitivo do Estado com as garantias constitucionais do acusado. Ao negar a inclusão da continuidade delitiva como impedimento ao ANPP, o STJ reafirmou a importância de seguir a lei à risca, sem interpretações que extrapolem o texto legal.
Para os operadores do Direito, essa decisão serve como um importante precedente, mostrando que a continuidade delitiva não pode ser usada como justificativa para negar o acordo de não persecução penal.
Conclusão
O caso AREsp 2.406.856-SP é um marco no Direito Penal brasileiro. Ele nos lembra que a lei deve ser aplicada com rigor, mas também com respeito aos limites impostos pelo legislador. A continuidade delitiva, por si só, não é um obstáculo para o acordo de não persecução penal, e qualquer interpretação em contrário viola o princípio da legalidade.
Se você é estudante, advogado ou simplesmente se interessa por temas jurídicos, esse caso é um excelente exemplo de como o Direito Penal pode ser complexo, mas também fascinante.
Confira a análise em vídeo do julgamento:
E você, o que acha dessa decisão? Deixe seu comentário e vamos debater!
Professor Flávio Milhomem
Especialista em Direito Penal e Processo Penal
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