Adolescentes, redes sociais e responsabilização: como prevenir o extremismo e o bullying no ambiente digital

Por Professor Flávio Milhomem
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Vivemos em uma era em que a tecnologia e as redes sociais fazem parte do cotidiano de crianças e adolescentes desde muito cedo. Embora essas ferramentas tenham grande potencial educativo e comunicativo, também podem se tornar armadilhas silenciosas — principalmente quando não há orientação adequada por parte das famílias, das escolas e da sociedade.

Grupos extremistas, conteúdos misóginos e discursos de ódio têm encontrado espaço nas redes, atingindo jovens em momentos de vulnerabilidade emocional. O que começa com frustração e solidão, pode evoluir para radicalização e violência — seja contra o outro, seja contra si mesmo.

A radicalização virtual: um fenômeno crescente

Desde o ataque à escola de Realengo, no Rio de Janeiro, em 2011, especialistas passaram a identificar sinais claros de influência digital em atos violentos praticados por adolescentes. De lá para cá, foram registrados 27 ataques escolares no Brasil. Em 18 deles, havia indícios de envolvimento com comunidades virtuais extremistas.

Meninos aparentemente “quietos” ou “invisíveis” muitas vezes são os autores dessas tragédias — e, não raro, anunciam seus atos em fóruns ou perfis fechados dias antes. A negligência em relação a esses sinais é um dos fatores que ainda fragiliza a prevenção.

O papel das redes sociais e da machosfera

Estudos recentes demonstram que os algoritmos das plataformas digitais contribuem para a exposição precoce de adolescentes a conteúdos violentos, machistas e misóginos. Em poucos minutos, jovens usuários já recebem vídeos de influenciadores antifeministas ou grupos masculinistas conhecidos como incels e redpills.

Essas comunidades, que integram o que se convencionou chamar de machosfera, propagam ideias que colocam a mulher como vilã social e exaltam a masculinidade tóxica. A série “Adolescência”, da Netflix, trouxe esse debate para o centro das atenções, retratando um adolescente britânico envolvido nesse submundo virtual — e seus impactos trágicos.

Adolescência exige presença, escuta e limites

O desenvolvimento saudável na adolescência passa, essencialmente, pela presença ativa dos adultos. Mais do que restringir, é necessário orientar, acolher e estabelecer vínculos de confiança. Isso inclui:

  • Conversas frequentes e respeitosas sobre sentimentos, escolhas, redes e relacionamentos;
  • Acompanhamento do uso das telas, com regras claras de horário e conteúdo;
  • Participação ativa no universo dos filhos: séries, jogos, músicas e amizades;
  • Utilização consciente de ferramentas de controle parental, sempre com diálogo.

A frase “você não anda sozinho pela rua, então também não deve ficar sozinho na internet” é uma das analogias mais eficazes para ilustrar esse cuidado.

A responsabilização de adolescentes no Direito brasileiro

Com a Lei nº 14.811/2024, o bullying e o cyberbullying passaram a ser crimes no Brasil, incluídos no artigo 146-A do Código Penal. Quando essas práticas são cometidas por adolescentes, elas são consideradas atos infracionais, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O adolescente pode, portanto, ser responsabilizado por suas ações. Entre as medidas previstas estão:

  • Advertência;
  • Reparação do dano;
  • Prestação de serviços à comunidade;
  • Liberdade assistida;
  • E, em casos mais graves, a internação em unidades socioeducativas.

Essas medidas têm natureza educativa e protetiva, buscando a responsabilização do jovem, a reconstrução de vínculos e a prevenção de reincidência.

Também podem ser aplicadas medidas protetivas, como o encaminhamento para atendimento psicológico, afastamento temporário do ambiente familiar e inserção em programas de apoio.

A mensagem é clara: menores de idade também respondem por condutas nocivas, ainda que em um sistema jurídico especial, pautado pela proteção integral e pelo desenvolvimento saudável do adolescente.

A escola como espaço de prevenção

De acordo com a Lei nº 13.185/2015, as escolas são legalmente responsáveis por implementar ações contra o bullying e promover um ambiente seguro e acolhedor. Cabe às instituições educacionais trabalhar com projetos de mediação de conflitos, educação emocional e formação para a cidadania.

A nova legislação reforça ainda mais essa missão, ao prever penalidades específicas e exigir políticas de proteção em ambientes educacionais.

Quando desconfiar? Sinais de alerta

Mudanças bruscas de comportamento podem indicar sofrimento emocional ou exposição a conteúdos nocivos. Atenção para:

  • Isolamento repentino;
  • Irritabilidade fora do comum;
  • Distúrbios alimentares e de sono;
  • Automutilação;
  • Queda no rendimento escolar;
  • Recusa persistente em ir à escola;
  • Reações agressivas ao controle de tempo de tela.

A importância do diálogo e da escuta sem julgamento

Nenhum adolescente deve ser ridicularizado ou ignorado em seus sentimentos. O respeito, a escuta ativa e a empatia são ferramentas essenciais para estabelecer laços de confiança. Inclusive quando se trata de assuntos difíceis — como sexualidade, autoestima, redes sociais e frustrações amorosas.

Pais que se abrem sobre suas próprias experiências adolescentes ensinam que a dor tem espaço, mas também tem caminho e superação.

Prevenir é uma tarefa coletiva

A prevenção ao bullying, à radicalização e à violência digital é responsabilidade de todos: família, escola, poder público e sociedade civil.

Além do cuidado afetivo, é preciso conhecer as ferramentas jurídicas disponíveis, os canais de denúncia e os direitos das crianças e adolescentes.


Educar no século XXI é, também, ensinar nossos filhos a navegar com segurança no universo digital. Isso exige escuta, firmeza, afeto e vigilância — pilares fundamentais para proteger o presente e garantir o futuro. Lembre-se do provérbio africano: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”.

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Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).