
Introdução: Uma Dúvida Comum na Prática Penal e nos Concursos
Imagine a cena: um jovem advogado é procurado por um cliente flagrado portando um certificado de registro e licenciamento de veículo (CRLV) falso. Ele não apresentou o documento a nenhuma autoridade, mas ainda assim foi acusado de uso de documento falso. A pergunta que surge é direta: apenas portar um documento falso é suficiente para configurar crime? A resposta do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão, é fundamental tanto para a prática criminal quanto para quem está se preparando para concursos.
Capítulo 1: O Enquadramento Penal do Caso
O artigo 304 do Código Penal tipifica o crime de uso de documento falso. O tipo penal é claro ao exigir que o agente “faça uso” do documento falsificado. Não se trata de uma criminalização da mera posse. Isso significa que é necessário um comportamento ativo, com dolo, voltado à utilização do documento para produzir efeitos jurídicos ou enganar terceiros.
Capítulo 2: O Caso Julgado no STJ (REsp 2.175.887/GO – 2024)
No julgamento do Recurso Especial nº 2.175.887/GO, a Sexta Turma do STJ enfrentou exatamente essa questão: portar um CRLV falso, sem apresentá-lo a qualquer autoridade, configura o crime de uso de documento falso? A resposta foi negativa. Para o STJ, a simples posse do documento falsificado, sem que tenha havido sua utilização efetiva, não é suficiente para caracterizar o crime do artigo 304.
Capítulo 3: A Importância do Dolo e da Finalidade de Uso
A decisão reforça um ponto essencial no Direito Penal: o princípio da legalidade impõe uma interpretação estrita da norma penal. A conduta descrita na lei deve ser exatamente aquela praticada pelo agente. Nesse sentido, o dolo é elemento indispensável. O simples fato de portar um documento falso, sem qualquer ato de utilização ou manifestação de vontade em enganar, não é punível.
Capítulo 4: A Exigência Administrativa e o Limite Penal
Mas e o fato de o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) exigir que o condutor porte o CRLV ao dirigir? Segundo o STJ, isso não altera a análise penal. Trata-se de uma obrigação administrativa, cuja inobservância pode ensejar sanção administrativa, mas não é bastante para configurar o tipo penal do artigo 304. O Direito Penal não pode ser utilizado para punir condutas que não estejam claramente previstas como crime.
Conclusão: Um Detalhe que Faz Toda a Diferença
Portar não é usar. E essa diferença, aparentemente sutil, pode definir o rumo de um processo penal ou a alternativa correta em uma prova de concurso. A jurisprudência do STJ é clara ao afirmar que o uso do documento falso exige dolo e a efetiva utilização do documento com a finalidade de enganar ou obter vantagem. Para advogados criminalistas e concurseiros, dominar essas diferenças é essencial. Afinal, no Direito Penal, cada palavra importa.