Você sabe o que é o feminicídio não-íntimo?

Nos últimos anos, a violência de gênero tem se tornado uma pauta central nos debates sociais e jurídicos. Um dos temas mais discutidos é o feminicídio, que representa o assassinato de mulheres em razão do menosprezo à sua condição de gênero. Porém, muitas vezes, esse tipo de crime é associado apenas a relações íntimas ou familiares, o que nos faz esquecer de uma modalidade igualmente grave: o feminicídio não-íntimo.

O que é o feminicídio não-íntimo?

O feminicídio não-íntimo acontece quando uma mulher é morta por ser mulher, sem que haja qualquer relação afetiva ou familiar entre agressor e vítima. Trata-se de uma agressão direta à condição de mulher, motivada por menosprezo ou discriminação, mas que não envolve laços afetivos.

Diferente do feminicídio íntimo, que ocorre em contextos de violência doméstica ou familiar, o feminicídio não-íntimo pode acontecer em situações nas quais o agressor sequer conhecia a vítima de forma pessoal.

Exemplos de feminicídio não-íntimo

Um exemplo típico é o homicídio praticado contra uma garota de programa. Nesse caso, o agressor comete o crime porque vê a mulher como um objeto de desprezo ou de inferioridade, sem que tenha qualquer vínculo prévio com ela. É o ódio contra o gênero feminino que motiva o ato, não uma relação emocional ou de proximidade.

O feminicídio na legislação brasileira

O feminicídio foi incluído no Código Penal como uma qualificadora do crime de homicídio em 2015, pela Lei nº 13.104. Conforme o artigo 121, § 2º, inciso VI, o feminicídio ocorre “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. A pena prevista para este crime é de reclusão, de 12 a 30 anos, um claro indicativo da gravidade com que o legislador encara essa modalidade de homicídio.

Mas como o legislador define “razões de condição de sexo feminino”? No § 2º-A, há uma explicação direta: essas razões se configuram quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher.

Por que o feminicídio não-íntimo precisa ser discutido?

É comum associarmos o feminicídio à violência doméstica e familiar, mas isso é apenas parte da realidade. O feminicídio não-íntimo representa a manifestação de uma cultura misógina que desvaloriza a mulher simplesmente por ela existir. Discutir e reconhecer essa forma de feminicídio é essencial para compreendermos as várias faces da violência de gênero e avançarmos na proteção dos direitos das mulheres.

Ao ampliar nossa visão sobre o feminicídio, incluindo suas vertentes íntima e não-íntima, podemos atuar de maneira mais efetiva na prevenção e punição desses crimes. A mudança começa pela conscientização. Saber que o feminicídio não é limitado a relações afetivas é um passo importante para reconhecer e combater essa forma cruel de violência.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).