Violência Psicológica com Uso de Inteligência Artificial: Nova Lei Agrava Pena para Crimes Digitais contra Mulheres

Introdução: A Dor Que Não Deixa Marcas Visíveis

Vivemos em uma era em que a tecnologia é capaz de criar realidades que jamais existiram. Com poucos cliques, uma imagem pode ser manipulada, um vídeo pode ser falsificado e uma voz pode ser replicada com perfeição. Agora, imagine quando esses recursos são usados para destruir a dignidade de uma mulher — criando nudes falsos, inserindo rostos femininos em vídeos pornográficos ou distorcendo falas.

Essa forma de agressão, tão silenciosa quanto devastadora, ganhou resposta legislativa. A Lei nº 15.123/2025 alterou o Código Penal para aumentar a pena no crime de violência psicológica contra a mulher (art. 147-B), sempre que houver o uso de inteligência artificial ou de outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima.

Neste artigo, vamos entender o que mudou, como essa prática ocorre na realidade e por que essa atualização legal é tão urgente.


Capítulo 1: O Que Diz a Nova Lei

Com a promulgação da Lei nº 15.123/2025, o art. 147-B do Código Penal passou a contar com o seguinte parágrafo único:

“A pena é aumentada de metade se o crime é cometido mediante uso de inteligência artificial ou de qualquer outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima.”

Na prática, isso significa que, além de já ser crime praticar violência psicológica contra a mulher, a pena será aumentada em 50% se o agressor utilizar ferramentas digitais para manipular a percepção da vítima ou de terceiros.


Capítulo 2: A Tecnologia Como Ferramenta de Violência

Softwares de inteligência artificial vêm sendo explorados por criminosos para criar conteúdos falsos, mas extremamente realistas, com o objetivo de humilhar, controlar ou silenciar mulheres. Entre os exemplos mais assustadores estão:

  • DeepNude: programa que utilizava IA para gerar nudes falsos de mulheres vestidas. Foi retirado do ar, mas inspirou outras réplicas ilegais.
  • Unstable Diffusion: projeto que popularizou a geração de imagens sexualizadas com IA a partir de fotos reais, incluindo celebridades e menores de idade.
  • Deepfake Video Tools: diversas plataformas, inclusive de código aberto, permitem inserir o rosto de uma mulher em vídeos pornográficos de forma quase imperceptível a olho nu.

Esses recursos vêm sendo usados para vingança, chantagem, pornografia de revanche ou até mesmo como forma de terror psicológico contínuo, sem que haja contato físico algum com a vítima.


Capítulo 3: Quando a Violência Psicológica Assume a Forma Digital

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) já reconhece a violência psicológica como uma das formas mais cruéis de agressão contra a mulher. Com a evolução tecnológica, o legislador se viu obrigado a ampliar esse conceito para o ambiente digital, onde os danos podem ser ainda mais profundos e permanentes.

É importante destacar que o impacto emocional dessas manipulações não se limita ao constrangimento público. Muitas mulheres relatam crises de pânico, depressão, isolamento social e até tentativas de suicídio após terem suas imagens expostas falsamente em contextos íntimos ou pornográficos.

A nova lei, portanto, vem corrigir uma lacuna e enviar um recado claro: usar tecnologia para ferir é crime — e será punido com mais rigor.


Capítulo 4: O Que Isso Significa para o Direito Penal e os Concursos

Para os que estudam para concursos da área jurídica, essa inovação legislativa deve ser acompanhada com atenção. O parágrafo único do art. 147-B configura uma causa especial de aumento de pena, que exige do examinando uma leitura cuidadosa da tipificação penal e das nuances da violência digital.

No campo prático, juízes, Promotores, advogados e defensores públicas deverão estar preparados para lidar com novas provas digitais, perícias em imagens e vídeos, e atuar com sensibilidade diante de vítimas que foram duplamente violentadas — pelo conteúdo e pela descrença social.

Além disso, é um tema que pode cair em questões discursivas, orais e na prática forense, exigindo conhecimento não apenas da norma, mas também de seus impactos sociais.


Conclusão: A Responsabilidade da Sociedade Frente à Tecnologia

A tecnologia, quando mal utilizada, se torna uma arma. E contra mulheres, essa arma tem sido usada em silêncio, escondida por trás de algoritmos e montagens falsas. A Lei nº 15.123/2025 não apenas atualiza o Código Penal — ela reconhece uma dor real, vivida por muitas mulheres no mundo digital, e oferece uma resposta legal proporcional à gravidade do dano.

Informar, educar e denunciar são os próximos passos. Se você é estudante, profissional do Direito ou apenas alguém que se importa, esteja atento, compartilhe esse conhecimento e ajude a romper esse ciclo de violência invisível.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).