A Harmonização entre Soberania do Júri e Respeito às Provas no STF: Uma Nova Tese de Repercussão Geral

A Harmonização entre Soberania do Júri e Respeito às Provas no STF: Uma Nova Tese de Repercussão Geral

Na última quinta-feira (3), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou uma importante tese de repercussão geral ao reconhecer a possibilidade de recurso contra decisões do Tribunal do Júri que, em desacordo com as provas, absolvem réus. A tese fixada no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1225185, correspondente ao Tema 1.087, servirá como diretriz para todos os demais casos que tratam da mesma questão.

Introdução ao Tema e Contextualização da Decisão

O julgamento realizado pelo STF marca um avanço significativo no que se refere ao equilíbrio entre a soberania do júri popular e o respeito às provas processuais. A decisão veio para preencher uma lacuna jurídica, esclarecendo como proceder quando o veredicto do júri se mostra em contrariedade com as evidências apresentadas.

O Papel dos Jurados no Tribunal do Júri: Perguntas Cruciais

O Código de Processo Penal (CPP) estabelece que os jurados devem responder a três perguntas fundamentais: se o crime ocorreu, quem foi o responsável e se o acusado deve ser absolvido. Quando o júri opta pela absolvição sem fundamentar sua decisão, mesmo que reconheça a autoria e a materialidade do delito, surge o que se chama de “absolvição por clemência”. Essa absolvição, amparada em um quesito genérico, pode, muitas vezes, ir contra as evidências apresentadas no processo.

A Absolvição por Clemência e a Divergência com as Provas

A absolvição por clemência, ou por quesito genérico, ocorre quando os jurados, em seu poder soberano, decidem absolver o acusado sem uma justificativa clara, mesmo que todas as provas apontem para sua culpa. Essa prática, embora permitida, gera questionamentos quanto à adequação da justiça realizada e a necessidade de garantir que as provas sejam respeitadas.

O STF e a Nova Tese de Repercussão Geral

Durante o julgamento concluído na quarta-feira (2), o STF reforçou que é possível recorrer dessa absolvição. A tese firmada estabelece que:
“É cabível recurso de apelação, com base no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária à prova dos autos. O Tribunal de Apelação não determinará novo júri quando tiver ocorrido apresentação constante em ata de tese conducente à clemência ao acusado, e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível com a Constituição, com os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos.”

Essa nova interpretação do Supremo Tribunal Federal visa garantir que as absolvições por clemência estejam de acordo com a Constituição e com as provas apresentadas, não se tornando um escape para decisões sem embasamento jurídico sólido.

A Importância da Revisão das Decisões do Júri: O Limite da Soberania Popular

A decisão do STF deixa claro que a possibilidade de recurso contra o veredicto do júri não viola a soberania popular, mas busca assegurar que as decisões estejam em consonância com as provas do processo. Se o Tribunal de segunda instância concluir que a absolvição foi compatível com a Constituição e com os fatos, o veredicto será mantido. Caso contrário, será possível anular a decisão e realizar um novo julgamento.

A Interpretação do STJ

Essa interpretação também encontra eco no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já havia julgado casos semelhantes. Em um exemplo recente, no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 2.013.281/MG, o STJ anulou uma sentença absolutória, onde o Tribunal de origem reconheceu que as provas eram suficientemente robustas para determinar o envolvimento da ré no crime, ordenando um novo julgamento. A decisão reafirma que a soberania do júri não é violada quando a sentença é anulada por ser manifestamente contrária às provas dos autos, mesmo em casos de absolvição por clemência.

O Equilíbrio entre Justiça e Soberania Popular

Com essa nova tese de repercussão geral, tanto o STF quanto o STJ buscam harmonizar o princípio da soberania dos veredictos populares com o respeito à Constituição e às provas do processo. O objetivo é garantir que a justiça seja aplicada de forma justa e equilibrada, sem que as decisões do júri se desviem das evidências apresentadas. Trata-se de uma evolução no sistema jurídico brasileiro, onde a busca por justiça prevalece, sem que se perca de vista a importância do Tribunal do Júri como guardião da vontade popular.

Flávio Milhomem
Flávio Milhomem

Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade Católica Portuguesa, Especialista em Combate à Corrupção (Magistrado Associado) pela Escola Nacional da Magistratura Francesa (ENM/France).